Por favor, não a confundam com mãe-de-santo, nem com mãe de santo, porque ela não é chefe de terreiro e filho santo ela não tinha nenhum.
Mas ela era uma santa. Tinha cabelo de santa. A roupa era de santa. O sapato era de santa. Seu nome: Santa.
Todo mundo falava: “Essa mulher é uma santa. Ela é tão, mas tão boazinha...” O marido falava: “Minha mulher não abre a boca pra nada. Nunca me incomoda. Santa mulher!” Os vizinhos falavam: “Nossa! Essa aí é capaz de pedir desculpas até pelo que o amigo da concunhada do cunhado da mãe da vizinha da frente pensou em falar pra nora da sogra da concunhada da vizinha de trás...” Os filhos falavam: “Ah! A mãe é uma santa; deixa a gente dormir à hora em que quiser. Compra tudo o que a gente pede. Não manda fazer nada em casa, porque ela tem pena de nós e faz tudo sozinha.”
Assim vivia a mãe santa, a mulher santa, a esposa santa, a vizinha santa, a funcionária santa, a patroa santa. O chefe dizia: “Essa funcionária aí faz tudo o que eu peço. É a única que nunca diz ‘não’.” “A empregada dizia: “Dona Santa, ih, é a melhor patroa que eu já tive. Acredita que vivo pegando roupa dela pra usar e ela nem fica sabendo? Já peguei também dinheiro da carteira dela e ela nem sentiu falta...”
Um dia, a mãe santa não saiu de casa. Febre alta. Tremia de frio e suava de calor ao mesmo tempo. Começou a ter alucinações. Levantou-se da cama e o marido só a ouviu gritando bem alto, com as janelas abertas: “Não! Não! Não! Não! Não!” “Que horror!” pensou o marido. “Minha mulher deve estar ficando maluca.” E ela ficou ali na janela cerca de uma hora, só gritando Não. O marido ouviu. Os filhos ouviram. Os vizinhos ouviram. A empregada ouviu. O patrão ouviu. Os amigos ouviram. Todo mundo ouviu.
Depois ela foi até a cozinha e deu um chute no balde, que voou longe. Em seguida pegou uma tigela de vidro e ergueu bem alto e soltou-a no chão. Essa sim, se espatifou em estilhaços pontiagudos; não era fortelex. Pegou mais uns dois copos e craaaash.
Então suspirou bem fundo...
O marido apenas prendia a respiração assustado, franzindo a testa.
A seguir, calmamente, a ex-mãe santa foi até a sala e sentou-se no sofá. A febre estava passando, os calafrios e tremores também. Estava, finalmente, se tornando Mãe, Mulher, Patroa, Funcionária, Vizinha, Amiga. Já era tempo mesmo...
Mirian Montanari Grüdtner